Área de compras mais estratégica gera vantagens competitivas às empresas
Em um mercado cada vez mais competitivo, é natural que empresas busquem novas estratégias para obter com isso melhores resultados. Uma das soluções para ganhar espaço e se destacar tem sido o uso de estratégia na área de compras por algumas empresas.
Quer saber como isso tem acontecido e como o setor ainda pode se transformar no futuro? Confira a matéria completa e entenda o nosso papel no mercado hoje e amanhã.
Boa leitura!
A mudança no setor
Há 25 anos trabalhando na área de compras, posso garantir com precisão que neste setor também houve muitas mudanças.
No início da minha jornada não tínhamos o preparo que temos hoje. Naquela época se passava pela área de compras, mas não era o objetivo de vida do profissional fazer carreira. As pessoas eram alocadas ali e tinham que fazer um trabalho que, muitas vezes, não era o que buscavam. Obviamente, isso gerava um baixo grau de importância e comprometimento para a área. Na verdade, a área de Compras era um setor dentro de alguma outra área mais importante.
Não havia maturidade, a negociação era na base do grito, na força. Haviam técnicas para deixar o outro lado desconfortável. Deixar o sujeito esperando duas horas e salas geladas ou muito quentes, por exemplo, eram alguns desses artifícios. Essa nunca foi a minha técnica. Tive sorte de ter conhecido o Strategic Sourcing há 20 anos. Com isso pude construir uma carreira muito mais estratégica.
As mudanças
Com o passar dos anos, a área passou a entender que não havia mais como espremer o fornecedor. Não dava mais para ficar pedindo descontinho, pois já não funcionava mais. Isso obrigou a área a repensar e ser mais estratégica, mais técnica em suas abordagens com os fornecedores.
Até foi criado naquela época um conceito chamado “vício do comprador”, que é a mania do comprador de pedir sempre o mesmo desconto ao fornecedor. Num exemplo, o vendedor já sabia que aquele comprador tinha o vício de sempre pedir 10% de desconto em qualquer negociação. Então, o vendedor já embutia os 10% de desconto e quando o comprador pedia os 10% o vendedor dava os 10%. Pronto, todo mundo ficava feliz: o comprador atingia seu saving, o vendedor atingia sua meta e todos achavam que tinham feito um ótimo negócio.
Somado a tudo isso, tínhamos vendedores muito mais preparados do que compradores. Até hoje, se você for buscar por formações e treinamentos de negociação, é quase sempre focado em vendas.
Passou-se a perceber que existia a necessidade de introduzir alguma técnica no processo de negociação. Então apareceu o Strategic Sourcing, que ajudou a desenvolver a área. Com esse desenvolvimento foi possível entender toda a sua cadeia de abastecimento e como era a formação de composição de custo. Então vieram outras formações. Hoje, existe curso de análise de gastos, de TCO, de cleansheet, por exemplo. Baseadas no Strategic Sourcing, as empresas começaram a apostar em cursos especializados para dar mais qualidade para o comprador, com perfil mais técnico e sustentável.
Temos que agradecer três grande pioneiros que, definitivamente, ajudaram a transformar a área de Compras a partir da década de 80: Peter Kraljic, A.T. Kearney e Michael Porter. Esses foram as molas propulsoras, por meio de criação de metodologia, modelos, ferramentas e processos, que fizeram os profissionais de compras a pensarem mais estrategicamente sobre a arte e a ciência da implementação e uso da metodologia Strategic Sourcing. E, o que eles acrescentaram em nossas vidas profissionais? Peter Kraljic foi o criador da Matriz Kraljic, já explorado aqui no blog da Vorätte, Michael Porter criou o modelo das 5 forças de Porter mostrado na primeira parte do nosso guia definitivo e A.T. Kearney, que desenvolveu os 7 famosos passos do Strategic Sourcing.
Com toda a mudança e métodos criados, hoje, o que queremos saber é o real custo de um produto ou serviço. Então a transformação é: parar de olhar o preço e faça uma negociação duradoura que vislumbre real custo com transparência, qualidade e parceria.
O cenário econômico também é diferente hoje e continua em total mudança. As ferramentas e táticas utilizadas nos últimos 30 anos não são mais efetivas. Organizações que historicamente tiveram sucesso em negociações utilizando seu "poder/força" ou estrategicamente manobravam o poder a seu favor estão perdendo efetividade nas negociações e consequentemente nos resultados alcançados.
Compras na mesa de decisão
Atualmente a área de compras não está sentada na mesa de decisão. No entanto, já temos o c-level em nossa estrutura, o CPO. A área, em empresas mais maduras, já detém o orçamento, é responsável para dizer o quanto se vai pagar no produto. E vai além. Ela pode, inclusive, discutir tecnicamente para saber se aquela é a melhor especificação, se a quantidade certa, se é o melhor momento de compra, se não há muito estoque.
Há um apelo extremamente estratégico para as empresas em termos de resultados diretos e isso tem feito muita diferença para quem apostou em desenvolver a área. Isso pode ser notado, principalmente, nesses últimos anos, com uma economia complicada. O mercado que treinou compras, que desenvolveu a área nesse período obteve mais resultados porque teve mais sucesso nas negociações.
Com compradores mais atuantes foi possível convencer tecnicamente o fornecedor a reduzir custos sem prejudicar qualidade, prazo e especificação, aumentar o prazo de pagamento, diminuir o lote mínimo, trazer materiais e serviços que fossem substitutos perfeitos e lograram mais inovações ao processo em geral. No fim do dia seu work capital ficou mais positivo. Então, apesar da recessão essas empresas tiveram resultados mais positivos porque a área de compras ajudou a fazer o orçamento, entendeu do negócio e entregou mais resultados (EBITDA) alinhados as necessidades do cliente interno.
Futuro
Ainda não é possível dizer que a área de compras chegou em sua total maturidade. Há muitas empresas ainda aprendendo a trabalhar com compras, a entender o potencial da área.
Mas vejo, para um futuro, uma área de compras muito forte, com CPO que responde para o presidente da empresa, que tem total autonomia sobre o orçamento, daquilo que é comprado, que garanta a qualidade, a entrega e o prazo, toda a especificação que o cliente interno está precisando.
Ao mesmo tempo vejo uma segmentação, onde terão nitidamente três níveis de compras: operacional, tática e estratégica.
Então você terá um time estratégico pensando em como trazer inovação, resultado e mais negócio. Já a área tática, orientada pelo cliente interno lá na ponta, vai conseguir captar mais a necessidade e consolidar tudo para que na próxima negociação a mesma esteja mais na mão do comprador estratégico.
Além disso, a área operacional, que pode ou não ser BPO. E aí tem ainda uma discussão muito grande de amadurecimento: vale a pena ou não fazer BPO?
Eu realmente acho que sim. Por que não deixar empresas que sabem fazer, que sabem comprar itens de baixo valor com grande volume, que tem ferramentas para comprar coisas pequenas do dia a dia para transformar em catálogo, fazer follow-up? Assim você cria uma área enxuta de suprimentos, com profissionais de altíssimo potencial, com drive para resultado, com a cabeça de negócios.
Nossa área será mais digital, com mais tecnologia e processos que possam acelerar e automatizar as negociação, com catálogos, contratos etc. Já existem empresas fora do Brasil, principalmente na Europa, apostando em robôs para tocar essa parte mais operacional. Com isso, você passa a ter uma negociação completamente robotizada e já não tem mais o envolvimento do comprador nessa linha mais operacional de menor valor. Por outro lado, a equipe tática e estratégica fica altamente produtiva e especializada.
Estaremos mais ligados nos nossos clientes internos, com um olhar mais de Business Partner. Entendendo a demanda do nosso cliente e trazendo a realidade deles para dentro do campo da negociação. Compradores trabalhando mais por afinidade de negociação do que por categoria. É como se aplicasse a matriz Kraljic na estrutura de compras e analisasse o comprador na sua melhor performance de estilo de negociação.
Entendendo mais o negócio podemos ajudar a trazer mais cliente, mas não somente com reciprocidade, mas entendendo o que nossos concorrentes estão comprando, como estão comprando, o que nos diferenciou em termos de preço e especificação, assim ajudando a melhor definir o custo final de um produto ou serviço.
Estaremos cada vez mais orientados ao atendimento do cliente com forte conhecimento de gerenciamento de projeto, pois a metodologia exige um alto controle dos entregáveis de cada fase do projeto. Um pequeno atraso no projeto (= negociação) pode causar um grande impacto na resultado esperado da negociação e consequente queda de saving.
Papel estratégico
Ainda visando o futuro, percebo que a área de compras terá cada vez mais um papel de consultoria. É ela quem falará para a empresa sobre as tendências de mercado, a variação de preço, o orçamento que é preciso ter, qual o melhor momento de compra, se é preciso ter mais ou menos armazéns. Ou seja é uma linha muito mais estratégica.
Com um drive mais estratégico, a área consegue, inclusive, ajudar o time de Vendas, no processo de vendas, explicando possíveis diferenças de custo, entendendo, em alguns casos, porque que a empresa não conseguiu fechar um contrato com um determinado cliente. E aí, pode existir uma grande interação e sinergia entre a área de compras e vendas.
Com toda a transformação que estamos passando, inclusive a digital, o grande diferencial pode justamente surgir dessa área de compras, na qual, de forma mais estratégica e robusta, você deixa as decisões que são pertinentes à ela e, assim o negócio fica livre para tocar e focar no cliente final. Com isso, cada vez mais o comprador vai ter que conhecer realmente do negócio para poder entender qual é a demanda, encontrar os melhores fornecedores, as melhores soluções, e deixar o cliente interno se preocupar com venda, com desenvolvimento de metodologias, tecnologias, produtos, medicamentos, etc.
As melhores negociações e negociadores serão aqueles, dos dois lados da mesa, que conseguirão aproveitar o poder do conhecimento e habilidade de seus parceiros. Sairá vitorioso aquele que aprender a não jogar o velho jogo competitivo do baixo custo, mas sim aqueles que souberem investir nas relações com seus parceiros de negócios, em relações altamente colaborativas com fornecedores que podem ajudar a impulsionar a transformação e a inovação em sua organização.
Uma frase que li recentemente num livro, para mim, representa nossa nova realidade: "I am not a roadblock. I am your partner. I am a strategic asset. I minimize your risk. I save your money. I think creatively. I source tactfully. I love the art of the deal. I drive value and sucess. I am a Procurement Professional."
Para refletir: Você está pronto para reconsiderar uma forma diferente de lidar com seu fornecedor? Você está disposto a compartilhar mais? Você, realmente, está disposto a criar um ambiente ganha-ganha? Isto é importante para você? Como você vê, escuta e senti isto? Você está disposto a desafiar a forma como o seu processo convencional de compras e estruturada de contrato está configurado?